O tempo passa, e no levar do tempo que tudo leva junto com ele, incluindo beleza e juventude, sonhos vão sendo abandonados, esquecidos, apagados.
Sonhos vão sendo abortados, mortos, sepultados.
Sonhos vão sendo degolados e afogados no próprio sangue, que jorra e forma caldo, um rio, no qual cedo ou tarde todos irão mergulhar, de branco, e alguns irão emergir, vestidos de preto, dourado ou vermelho.
Porém, como consequência de sua própria natureza imaterial, os sonhos abortados ou assassinados podem ser ressuscitados a qualquer momento, ainda que através de outros seres humanos e corpos, que herdam sonhos e espíritos de antepassados, transmitidos por tradição, de geração a geração, atravessando os séculos.
E no levar do tempo, que com a força do vento tudo leva, espalha e semeia, plantou-se na cabeça do povo uma ideia popular, maliciosa e equivocada. Plantou-se uma erva, que entorpece e causa confusão.
Uma ideia saída pela mandíbula da serpente original, que tocando sua fria e venenosa língua bifurcada ao pé do ouvido, profere mentiras e encantos, para enfeitiçar o mundo.
Diz a serpente que aos vinte e tantos anos, o jovem busca um pouco da recente juventude perdida pelo caminho, que escapuliu das mãos e se quebrou em mil pedaços. A juventude dos que já encontram alguns poucos cabelos brancos, ou dos que ficaram carecas tão cedo.
Diz a serpente que aos trinta e tantos anos, o recém-adulto entra num processo dualístico e se perde entre dois mundos, oscilando entre pensamentos de fracasso e sucesso, vergonha e orgulho, fantasia e realidade, nostalgia e esperança.
Diz a serpente que dos quarenta e tantos anos até o limite do que a imaginação permitir, viajando pelas fases número cinquenta, sessenta, setenta, oitenta, noventa e cem, o trem percorre o trilho até a inevitável parada final.
A única certeza na vida é a parada final.
Cedo ou tarde, o que tiver de ser será.
Cedo ou tarde, a banana apodrece.
Cedo ou tarde, virá o segundo sol, que irá engolir a lua, o dia, e a vida. E só existirá trevas.
E só existirá o escuro da terra caindo em cima do caixão.
Só existirá as cinzas do pó.
Existirá o arrepio do vento gelado apagando as chamas das últimas velas. Vida mais extensa, somente a biografia de personagens bíblicos.
Vida que vence a morte, somente a dos mártires, que são eternos, pois a religião é a única que entende das coisas além-túmulo.
Mas enquanto existir vida, deve existir força.
Pois a vida humana na Terra, segundo os profetas, é uma guerra. E na guerra, vencem os que têm mais força.
Força na fé, força no bem, força nos sonhos. Força em Deus, que é generosidade e justiça.
Força para não tão facilmente prejudicar a própria felicidade e a dos outros.
Força para pisar na cabeça da serpente, que continua a envenenar o povo com suas mentiras, vomitando sonhos abortados.
Sonhos abortados was written by Fládson B. M. Freitas, and published in FLADSON.COM .
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